A confissão de dois enfermeiros uruguaios, que aplicavam morfina e ar em pacientes não terminais - os quais acabaram morrendo em dois hospitais de Montevidéu - está comovendo o país.
Os dois confessaram os crimes à Justiça e estão sendo processados por 16 mortes, mas o número pode ser bem maior e ter incluído outros métodos.
A notícia sobre os enfermeiros de 40 e 46 anos, além de uma terceira enfermeira, processada por "encobrir" o caso, é a mais lida nesta segunda-feira (19) no site da rádio Espectador, nos sites dos jornais El País e El Observador, de Montevidéu, e tema também em emissoras de televisão de outros países da região, como a Argentina.
Os enfermeiros disseram não saber em quantos pacientes teriam aplicado as doses mortais.
"Acho que pode ter passado de 50", disse um deles à Justiça, segundo a imprensa local. "Perdi a conta", teria afirmado o outro.
A imprensa uruguaia especula que o número de vítimas poderia chegar a cerca de 200 ao longo dos últimos sete anos.
Compaixão
O juiz do caso, Rolando Vomero, disse que os suspeitos confessaram as mortes motivados pelo desejo de "não ver o sofrimento humano", embora tenham admitido que os pacientes não eram terminais.
"No Uruguai a eutanásia não é aceita, mas dá-se, sim, uma ajuda (a pacientes terminais), através de medicamentos que reduzem a dor, para que o paciente tenha uma morte digna. Mas não foi o que ocorreu", afirmou o presidente do Sindicato Médico do Uruguai, Martín Rebella.
Ele disse à rádio Espectador, de Montevidéu, que a equipe da área de saúde do país está "consternada" com os "casos criminosos" na rede hospitalar do país.
O ministro da Saúde, Jorge Venegas, afirmou que "existe uma grande diferença entre erro médico e criminalidade" e indicou que as investigações vão continuar.
"É um caso inédito e um fato muito doloroso", disse o ministro do Interior, Eduardo Bonomi.
Morte após alta
A filha de uma das vítimas disse nesta segunda-feira, ao site Observa, do jornal El Observador, que a mãe morreu quando já se preparava para deixar o hospital.
"A minha mãe foi internada com convulsões e, depois de alguns dias no hospital, melhorou. No domingo nos disseram que ela teria alta e sairia no dia seguinte. Mas na segunda-feira ela começou a passar mal e morreu. Nos disseram que tinha sido infarto. Mas agora descobrimos que não foi nada disso", afirmou Miriam, filha de Santa Gladys Lemos, de 74 anos, internada no Hospital Maciel.
"A minha mãe estava feliz e lúcida no domingo, porque ia voltar pra casa no dia seguinte. Mas morreu", disse. Lemos foi internada em 1 de março e morreu no último dia 12.
O ministro do Interior informou que as investigações começaram em janeiro, mas foram mantidas em sigilo para não atrapalhar o trabalho policial. A Justiça deverá apurar ainda se os dois enfermeiros indiciados contavam com apoio de outros setores para obter seringas e morfina.
De acordo com os investigadores, foi decisiva uma mensagem de texto de uma enfermeira que dizia que já tinha-se feito "viajar a paciente da cama cinco".
A afirmação "viajar foi interpretada como mais uma morte e foi registrada após uma denúncia anônima sobre as ocorrências nos dois hospitais.
Cinco dos assassinatos pelos quais os enfermeiros estão sendo processados foram registrados na área de cardiologia do hospital público Maciel; os outros onze, na unidade de neurocirugia da Associação Espanhola, da rede privada. Os dois hospitais estão entre os principais e mais renomados do país.
"Nenhuma destas unidades é de tratamento intensivo, e sim de observação, apesar de na área de neurocirurgia surgirem casos mais complexos", disse o ministro da Saúde.
"A investigação ainda não está concluída, e os dois enfermeiros sabiam da ação um do outro, apesar de cada um agir por sua conta", disse Eduardo Bonomi.
Segundo o ministro do Interior, é possível que tenha havido "anos de irregularidades com um número de mortes que não podemos precisar".